Há muitos novos conceitos embutidos nessa declarações e que traduzem muito da extraordinária mudança cultural que está sendo promovida na GE, até então um gigante na fabricação de milhares de itens, indo de turbinas a locomotivas, de trens a aparelhos domésticos, energia e iluminação. Primeiro a constatação de que no novo mundo digital há que se estar envolvido nele obrigatoriamente.
No caso da GE, com a construção de um sistema operacional chamado Predix que passa gradualmente a conectar tudo o que produz diretamente com seus clientes através da IoT, internet das coisas. Segundo, que essa conexão amplia a própria utilização dos seus produtos transformando-os em plataformas de ofertas de serviços que são complementares aos produtos, daí o escopo aprofundado e a entrega de algo mais do que equipamentos. Uma mudança que a leva de “uma empresa fabricante de bens físicos, feitos de graxa e parafusos, para provedora de informação baseada em tecnologia” como a Exame a descreve.
Sua trajetória de mudança passa por uma forte mudança cultural onde a experimentação tende a prevalecer sobre a perfeição, seu mantra de muitos anos, e famosa pela difusão do sistema Six Sigma, e que agora prega o uso do lean startup.
Tomei o exemplo da GE por ser uma empresa emblemática da era da chamada segunda revolução industrial, uma das que mais soube se beneficiar do advento da energia elétrica e todas as suas aplicações. E de como esse gigante está tentando se atualizar já que seu valor de mercado hoje, apesar do seu tamanho e importância, é menos de 30% do valor da Apple.
Não é só a GE. A General Motors, por exemplo, lançou, recentemente, uma nova empresa, a Maven (www.mavendrive.com ), para compartilhamento de carros baseado em aplicativos buscando o público jovem que começa a não ter mais o interesse na compra de carros, mas busca soluções de mobilidade urbana. Um exemplo real de como utilizar a plataforma de produtos, nesse caso os carros, na oferta de novos serviços demandados pelos clientes, através de uma plataforma digital. A mesma GM que instala o sistema OnStar em vários de seus carros, um verdadeiro concierge à disposição dos usuários, outro serviço instalado em seus produtos para trazer uma melhor experiência para seus clientes.
Esses são exemplos vivos e atuais da transformação através de serviços que empresas industriais estão processando para criarem diferenciações e se manterem competitivas no mercado. Na área acadêmica a esse fenômemo é dado o nome de servitização, ou a gradual agregação de serviços por empresas predominantemente industriais.
Esse mesmo fenômeno já vem permeando a indústria gráfica há algum tempo. A primeira das seis pesquisas mundiais realizadas pelos organizadores da Drupa antes da feira já indicava essa tendência: “ A indústria gráfica está no meio de uma transição: de indústria orientada a produtos a uma indústria orientada a serviços. A demanda por novas soluções e modelos de negócio que melhor reflitam as necessidades dos clientes é clara”. (drupa Global Trends, fev/2014)
Alguns podem discutir se gráfica já não é uma prestação de serviços impressos, mas o tema, aqui, é a diferenciação entre a produção de bens físicos como um folheto, uma embalagem ou uma revista em relação a serviços, bens intangíveis, que são prestados, em geral, na presença ou pela solicitação do cliente como design, criação, logística, mailings, campanhas de marketing direto, automação de marketing e muitos outros. Dessa forma a concepção de serviços na gráfica se concentra nos produtos não físicos, mas tudo o que integra a oferta que é feita ao cliente.
Além disso o que temos visto, na prática, é o desenvolvimento de plataformas digitais formadas por grupos de diferentes softwares que formam um sistema que permita uma crescente oferta desses serviços. Essa oferta tem que estar alinhada com a proposta de valor da gráfica e focada nos clientes-alvo da empresa. Esse desenvolvimento é gradual, começando pelos clientes atuais da empresa, envolvendo-os, avaliando seus resultados e crescendo sua utilização junto com eles. É como a construção de um quebra-cabeças cujo resultado é uma oferta única da empresa ao seu mercado alvo.
Estudamos várias empresas para observar esse fenômeno. Nos Estados Unidos conhecemos a Global Print, ( www.globalprinting.com ) uma empresa média na Virginia, localizada perto de Washington. Para avançar na oferta de serviços de marketing eles absorveram uma agência de marketing direto e criaram uma plataforma em que o cliente interage e que permite a ele criar campanhas de marketing por email, mailings e outras ferramentas para atingir seus clientes finais. A essa área a gráfica deu o nome de Global Thinking para diferenciar da outra que cuida a produção dos materiais impressos gerados pelas campanhas.
No Brasil, um dos exemplos mais famosos e sempre citado é o da Arizona (https://www.arizona.global) que de uma gráfica de impressos promocionais passou a ser uma agência de pré-mídia criando e dando vazão às necessidades dos clientes e enviando seus materiais a todos os tipos de mídia necessários às campanhas, sejam as de cunho puramente digital ou as de material impresso. Diferentemente da Global Printing a Arizona avançou tanto no desenvolvimento desses serviços que preferiu nem mais imprimir, terceirizando essa produção. Além disso a empresa ainda faz a gestão da marca dos clientes cuidando de seus arquivos e oferecendo em sua plataforma chamada Visto todo um conjunto de ferramentas voltadas aos gerentes de marketing dos seus clientes facilitando seus trabalhos de planejamento e acompanhamento de campanhas.
Sempre cito um cliente nosso, a IPressNet (https://www.ipressnet.com.br/v6/) que de uma pequena gráfica impressora de apostilas passou a ser a gestora de impressão e logística de conteúdos com foco em franquias de escolas, através de uma plataforma digital própria.
Há várias outras empresas trilhando esses caminhos, sem dúvida, e poderíamos citar outros exemplos como o da Antilhas ( http://www.antilhas.com.br) e sua plataforma de predição de demanda, criação, produção, estocagem e distribuição de materiais de embalagens de seus clientes em todo o Brasil. Mas, mesmo assim, ainda é um número limitado de empresas nesse caminho de transformação. Precisamos de muitos mais para aproveitar espaços de mercado e garantir uma continuidade dos negócios, independentemente dos rumos do mercado de impressão. Precisamos inovar mais e sair do lugar comum, razão do fechamento de várias empresas.
As dificuldades são várias começando pela própria determinação de buscar inovações radicais, as que mexem não só na tecnologia, mas concomitantemente em seus modelos de negócio. O mundo está mudando, as pessoas estão cada vez mais conectadas. Segundo pesquisas do Fórum Econômico Mundial, em menos de 10 anos mais de 90% da população mundial terá acesso à internet e a smartphones, 10% delas usarão roupas conectadas à rede, carros autônomos estarão gradualmente pelas ruas, os robôs serão cada vez mais inteligentes, as aplicações de IA, Inteligência Artificial, estarão permeando o nosso dia a dia, como já estão, aliás. Com tudo isso a relação das empresas - das marcas - com as pessoas vem se alterando radicalmente exigindo mais envolvimento e troca de experiências. As relações de negócio a negócio, o B2B, também, e é onde se situa a maioria das empresas gráficas. Simplesmente preparar-se para imprimir mais e melhor não é de longe o suficiente para manter-se no mercado a longo prazo.
Repensar e reinventar a empresa é fundamental. Criar essa consciência, portanto, é o primeiro passo. O segundo é entender mais profundamente seus clientes e, além disso, mercados potenciais de crescimento. E há vários: embalagens em geral, incluindo es impressas em flexografia, rótulos e etiquetas, as inúmeras aplicações com equipamentos de grandes formatos em tecidos, madeira, vidro, comunicações; impressos variáveis para o mercado relacional, impressão digital de livros, e por aí vai.
Que canal a ser usado para vendas? Usar a internet como parte do negócio será cada vez mais fundamental. As aplicações de web-to-print, muito mais do que abrir lojas genéricas como a Printi, têm inúmeras possibilidades em nichos específicos em inúmeros mercados – casamentos, celebrações, linhas infantis, presentes, , entre muitos outros. Também em lojas fechadas a clientes e em lojas para clientes de clientes como revendas. Além disso a plataforma de web-to-print abre as conexões com os clientes na construção de plataformas digitais mais amplas de ofertas de serviços, como já falamos acima.
A construção dessas plataformas se dá a partir dos clientes atuais, como já dissemos. O desenvolvimento de programas que engajem esses clientes para solução de necessidades como a criação de campanhas com automação de marketing, por exemplo, criando referenciais e cases para engajamento de outros clientes e o consequente aumento de serviços e da própria plataforma, por sua vez integrada com os workflows de produção, mais automatizados, permitindo a construção de uma operação produtiva flexível, confiável e com menor desperdício. A escolha dos equipamentos e softwares de operação serão definidos a partir da proposta de valor da empresa aos clientes e ajustáveis ao sabor do direcionamento da demanda.
Essa é uma construção gradual, constante e muito focada, mas um caminho sem volta. Transformação, servitização e plataforma são os conceitos chave dessa mudança. Redefina a missão da empresa a partir dessas ideias, envolva sua equipe e crie um consenso de mudança e direção. Uma nova empresa começará a surgir. Já.
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